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O Universo Instrumental da Banda Sinfônica


A idéia de banda sinfônica esteve no passado intimamente ligada ao trabalho da orquestra sinfônica. No final do século 19 e início do século 20, esse numeroso organismo instrumental de sopros e percussão elevava a já tradicional banda de música ao "status" de uma orquestra sinfônica, principalmente no que se referia ao repertório. Os arranjos e transcrições de aberturas de óperas, operetas, movimentos de sinfonias, poemas sinfônicos e as célebres valsas vienenses constituíram-se ingredientes responsáveis pela popularização da música sinfônica, quando, de uma maneira mais ágil, promoviam o acesso do grande público à chamada música de concerto, através de apresentações em parques e outros logradouros, fora das ostentações dos grandes teatros da época. Por outro lado, a excelência de muitos desses organismos trazia a banda à cena principal nas grandes salas de concerto, despertando assim o interesse de muitos compositores para uma nova possibilidade de expressão musical que surgia, trazendo consigo uma flexibilidade que até então a já consolidada orquestra sinfônica não permitia.
Uma vez inspiradas nas grandes orquestras e por força do repertório (baseado unicamente em transcrições), as primeiras bandas sinfônicas eram bem maiores que os conjuntos modernos, já que partiam do princípio da substituição dos naipes de instrumentos de cordas por instrumentos de sopro. Algumas formações utilizavam entre 24 e 32 clarinetas e, em muitos casos, seguindo a tradição espanhola, mantinham-se os naipes completos de violoncelos e contrabaixos, tais como na orquestra. No Brasil, algumas bandas sinfônicas militares adotam esse modelo, porém em proporções reduzidas. Em países do Cone Sul, como Argentina e Uruguai, essa prática ainda é bastante comum, tendo como principais exemplos a Banda Sinfônica da Cidade de Buenos Aires e a Banda Sinfônica Municipal de Montevidéu.
O desenvolvimento desses organismos e a sua importância na cultura musical universal motivaram célebres compositores - como Hector Berlioz (Sinfonia Fúnebre e Triunfal), Gustav Holst (1ª e 2ª Suites e Hammersmith), Arnold Schoenberg (Tema e Variações, opus 43 a), Paul Hindemith (Sinfonia em Si Bemol e Konzertmuzik) e o nosso Heitor Villa-Lobos (Fantasia em Três Movimentos em forma de Choros e Concerto Grosso) - à criação das mais significativas obras do repertório original para banda sinfônica, impulsionando assim a produção de uma literatura específica que não pára de crescer.
Já no século passado, por conta de uma escrita mais transparente e sofisticação do repertório, consolidou-se o modelo de formações mais compactas, redefinindo o critério de dobramento de vozes e imprimindo uma maior diversidade à sua constituição instrumental. À esse novo olhar deu-se o nome de "wind-ensemble".
Organismos como a Eastman Wind Ensemble, nos Estados Unidos e Tokio Kosei Wind Orchestra, no Japão, utilizam um efetivo com a seguinte constituição: 1 piccolo (flautim), 2 flautas (com flauta em sol eventual), 2 oboés, 1 corne inglês, 1 requinta, 6 a 9 clarinetas, 1 clarineta alto em mi bemol, 1 clarineta baixo em si bemol (clarone), 1 clarineta contra-alto em mi bemol, 1 clarineta contra-baixo em si bemol, 2 fagotes, 1 contrafagote, 2 saxofones alto (com 1 soprano eventual), 1 a 2 saxofones tenor, 1 saxofone barítono, 4 trompas, 3 cornets, 3 trompetes, 2 a 3 trombones tenor, 1 trombone baixo, 2 eufônios (bombardinos), 2 tubas, 1 contrabaixo, piano, harpa e percussão: tímpanos, bombo, caixa clara, caixa tenor, prato a 2, prato suspenso, triângulo, tom-tons, gongo, tantã, wood-block, temple-block, claves, chicote, matraca, maracas, glockenspiel (bells), campanas, xilofone, vibrafone, marimba, celesta e outros eventuais.
No caso da Eastman Wind Ensemble, idealizada pelo fenomenal Frederick Fennell, que também é o regente emérito da Tokio Kosei Wind Orchestra, a formação foi baseada, a princípio, naquilo que havia de mais significativo no repertório para sopros: a partir das célebres serenatas e divertimentos de Mozart, serenatas para sopros de Richard Strauss, sinfonias e concertos para vários instrumentos solistas e conjuntos de sopro de Stravinski, criando em seguida releituras de obras de compositores famosos da música para banda, como John Philip de Sousa e Henry Fillmore, passando por Charles Ives, Russell Bennett, Clifton Williams, Vincent Persichetti entre outros.
A Eastman Wind Ensemble é aquele grupo que, sob a direção de seu atual diretor Donald Hunsberger, gravou (ainda na época do long-play), ao lado do célebre trompetista Winton Marsalis, um dos mais cobiçados albuns da discografia para banda, tendo como destaque a Fantasia Brilhante de J. Arban e Variações sobre "O Carnaval de Veneza".
No Brasil, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo está completando 15 anos como um dos mais importantes e completos conjuntos do gênero da América Latina. Seu efetivo instrumental é um dos mais extensos, capaz de cobrir toda a produção existente para banda sinfônica, agregando, quando é o caso, instrumentos que não fazem parte do seu quadro, de acordo com a exigência da partitura.
A Banda está assim constituída: 1 a 2 piccolos (flautins), 8 flautas (com flauta em sol eventual), 2 a 3 oboés, 1 corne inglês, 2 requintas, 16 clarinetas, 2 clarinetas alto, 2 clarinetas baixo, 3 fagotes, 1 contrafagote, 4 saxofones alto (com 1 a 2 sopranos eventuais), 2 saxofones tenor, 1 saxofone barítono, 6 trompas, 7 trompetes (incluindo cornets, flugelhorn e trompete piccolo), 4 trombones tenor, 1 trombone baixo, 3 eufônios (bombardinos), 4 tubas, 5 contrabaixos, piano, harpa, sintetizadores e percussão: tímpanos, bombo, caixa clara, caixa tenor, prato a 2, prato suspenso, triângulo, gongo, tantã, tom-tons, wood-block, temple-block, claves, chicote, matraca, maracas, pandeiro, campanas, glockenspiel (bells), xilofone, vibrafone, marimba, celesta e outros eventuais.
No decorrer de tão profícua trajetória, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, por meio do seu Projeto de Incentivo à Criação Musical (objeto do trabalho de pesquisa científica do autor junto ao Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp-SP), realizou um significativo número de primeiras audições de obras encomendados a renomados compositores brasileiros como Ronaldo Miranda (Suíte Tropical, 1990), Mário Ficarelli (Sinfonia para Instrumentos de Sopro, 1990), Lelo Nazário (Limite - para sons eletrônicos, banda sinfônica e percussão, 1990 e Aurora - para trio solista e sons eletrônicos, 1996), Harry Crowl (Sinfonia 1990), Amaral Vieira (Magnificat - para mezzo-soprano, coro misto e duas bandas sinfônicas, 1990 e Fantasia Coral "In Nativitate Domini" - para piano obligato, órgão, harpa, mezzo-soprano, coro misto e duas bandas sinfônicas, 1992), Daniel Havens (Festival Overture e Harpia - poema ecológico, 1992; Fantasia para quarteto de trombones e wind-ensemble, 1994 e Concertino para quinteto de sopros e banda sinfônica, 1995) , Achille Picchi (Solfieri - poema sinfônico baseado em "A Noite da Taverna" de Álvares de Azevedo, 1994), Edmundo Villani-Côrtes (Sonho Infantil "Rapsódia Brasileira", 1993, QOM-Fusion - concertante breve para jazz-quinteto e banda sinfônica, 1994 e A 3a. Visão - concerto para piano e banda sinfônica, 1997), Cyro Pereira (Rapsódia Latina, 1998), Almeida Prado (Cartas Celestes n. 7 "Constelações Zodiacais" - para duas pianos e banda sinfônica, 1998-1999) e Marlos Nobre (Chacona Amazônica, 1999). A partir de 2000, outras obras foram estreadas decorrentes da realização do seu Concurso de Composição e de outras ocorrências.
Em 1997, a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo, na qualidade de representante latino-americana, participou da 8ª Conferência Mundial de Bandas Sinfônicas promovida pela Wasbe - World Association for Symphonic Bands and Ensembles, em Schladming, Áustria. O programa apresentado, constituido de obras de compositores brasileiros e latino-americanos, foi o seguinte: Ronaldo Miranda - Suite Tropical (movimentos: Aurora, Romaria, Crepúsculo e Cantoria), Vicente Moncho (Argentina) - ...de Tango, Lelo Nazário - Limite (sons eletrônicos e banda sinfônica) e Daniel Havens - Harpia (poema ecológico). O êxito de sua performance garantiu-lhe o convite para participar da 9ª Conferência em 1999, na Califórnia, Estados Unidos, fato inédito na história da conferência.
Em São Paulo, outros grupos de referência são: a Orquestra de Sopros Brasileira, vinculada ao Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos Campos de Tatuí, a Banda Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo, ligada ao Centro de Estudos Musical Tom Jobim (ex-ULM) e a Banda Sinfônica de Cubatão, grupo oficial da Prefeitura Municipal de Cubatão. Na Argentina destaca-se a Banda Sinfônica da Província de Córdoba.


Nota: este artigo foi originalmente publicado pela Revista Weril e, em outubro de 2004, por iniciativa do autor, foi revisado, atualizado e modificado com exclusividade para o portal www.movimento.com


Autor Roberto Farias